6.7.07
Encontro com Francisco Brennand
Francisco Brennand, ceramista, pintor e desenhista é um desses gênios que descrevi antes. Conheci-o em 2005 quando participei do juri do Festival de Humor e Histórias em Quadrinhos do Recife.
Foi assim:
O festival disponibilizou uma van para levar todos os artistas (brasileiros e gringos) para conhecer as coisas boas do Recife, dentre elas, logicamente, a cerâmica Brennand (da qual eu, ignorante, nunca ouvira falar). A motorista da van era uma pessoa do tipo "despachada" (como dizemos aqui no Rio), e me disse que poderia tentar achar o recluso artista e trazê-lo para vir falar conosco.
Quando Brennand chegou e apresentou-se, expliquei à ele que éramos um grupo de artistas gráficos, e que trabalhávamos para o suporte da página impressa, jornais, revistas e livros. Emendamos então numa breve conversa introdutória sobre arte , desenho, suportes efêmeros como o papel e eternos como a cerâmica. Estaria ali na questão da durabilidade do suporte o cerne da hierarquia nas artes visuais? Ele dizia uma ou outra palavra em francês para o Jano, e eu traduzia tudo para o inglês para os outros convidados.
Perguntei-lhe sobre o significado daquele cenário surreal de colunas, formas curvilíneas, relevos e esculturas eróticas, e aqueles animais no mínimo curiosos.
Brennand contou que o conjunto nascera dos escombros da antiga fábrica de telhas de sua família. Após alguns anos morando na França ele retornou ao Brasil em 1971 para encontrar ali o velho galpão de 1917 em destroços. Pediu então aos funcionários que limpassem a área dos escombros e de lá restavam de pé somente as fortes colunas de tijolos maçiços. Visualizou naquelas colunas os pedestais para esculturas que serviriam de guardiões para um "templo profano" onde se celebrariam os mitos de criação. Logo tratou de povoar aquele espaço com figuras cerâmicas que simbolizassem a vida, a fecundidade, a transformação, o mistério. São falos, vaginas, ovos, sapos, aves, placas com frases de filósofos, espelhos dágua e toda uma fantasmagoria pessoal.
Eu ia traduzindo sua fala para os gringos à medida em que caminhávamos. O velho contou que aquele imaginário nada tinha de erótico, como diziam as màs línguas a seu respeito. "Para falar da vida, é preciso sobretudo falar do sexo, da reprodução", explicou.
Ao passar sob uma abóbada de onde pendia um fio em cuja extremidade havia um ovo suspenso, notei que os convidados estrangeiros do festival já haviam se dispersado, atraídos pelas curiosas esculturas expostas em um galpão à esquerda. O velho Brennand prosseguia sua explanação e ao notar que eu era o único que restara, convidou-me para caminhar até a Accademia, a galeria que abriga suas pinturas e desenhos. Durante todo o percurso dei-me conta do acaso que havia me trazido até aquele momento. Aquela era uma aula master tête-a-tête com Francisco Brennand.
Na Accademia, cada obra inspirava um causo, adornado pela voz literata que brotava das longas barbas brancas do artista.
Ao ver uma das pinturas, comentei que havia ali uma semelhança com o universo de Balthus. Vi a surpresa estampar-se no rosto de Brennand.
"Ah rapaz, agora você bateu em uma porta certa!"
O velho pôs-se então a exaltar Balthus, e contou sobre os anos em que viveu Paris e o conheceu. Nesta época, teve a oportunidade de conhecer outros artistas importantes também.
Em Paris, Brennand era amigo de um jovem mexicano, incumbido pelo pai milionário de comprar a obra de "qualquer pintor famoso", a título de investimento. Assim os dois jovens latinos foram parar no ateliê de Braque. O rapaz mexicano adquiriu duas obras do cubista.
Fiquei fascinado com a série de trabalhos sobre Chapeuzinho Vermelho e também com os pastéis onde Brennand retrabalhou desenhos antigos de peixes, criando retratos de pessoas zoomórficas.
Aquele foi um encontro com um gênio, e eu jamais vou me esquecer.
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Um comentário:
Conheci o trabalho do Brennand em uma exposição na Casa França Brasil, se não me falha a memória, há alguns anos. Fiquei impressionado com o trabalho dele desde então. Sinto uma ponta de boa inveja ao saber que você esteve na cova do leão e tal e qual Daniel saiu de lá fortalecido. Acho que em termos de escultura o artista que mais me deixou sem chão foi o Bourdelle, que assisti na mesma Casa França Brasil. O Brenand fez o mesmo com minha visão sobre a cerãmica que, até conhecer o
trabalho dele, eu nem considerava tanto assim. Das pinturas e desenhos dele eu nada conheço.
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