31.7.09

O que os arqueólogos do futuro intuiriam sobre nós?



Ando pensando muito sobre essa história da durabilidade do suporte onde registramos ou difundimos nossas criações. Todas elas, mas principalmente as de 100 anos pra cá (inclua nesse bolo as suas, as minhas...)

Papel, disco rígido, pen drives, jornais, livros, objetos de design...Em 2 mil anos, quem vier "cavucar nossos escombros" vai achar que os modernos e contemporâneos, fizeram coisas basicamente com pneus, plásticos, asfalto, concreto, aço, vidros e alumínio.

Alguma vez você já parou para refletir sobre os suportes onde está registrada a CULTURA humana?

Filmes, livros, videos, meios digitais, papéis, tecidos...até mesmo materiais plásticos ( também perecíveis apesar de não desaparecerem por completo, ficam quebradiços e fragmentam-se ad infinitum). Como estas coisas ficarão em mil ou dois mil anos?

O que dizer da música, esta que chamam de "arte invisível" ?Nem venham contra-argumentar dizendo que notas numa partitura de papel tornam a música visível. Aquilo são símbolos que somente um músico entende. De mais a mais, notas numa partitura apodrecerão fácil fácil.

Imaginemos quais artes, artefatos e artistas sobreviveriam ao esmeril do tempo:

Jóias (tanto as de Nefertiti quanto as de Antonio Bernardo), cerâmicas, a cidade subterrânea da Capadócia, uns artefatos antigos dos museus, uma ou outra peça dos nossos monitores e gadgets, vidros, nossos arranha-céus e estruturas arquitetônicas, e também o traçado das nossas cidades, pontes e estradas.

Da arte contemporânea, penso que sobreviveriam as obras do minimalista Richard Serra , os vidros alienígenas do Chihully, as cerâmicas do nosso Francisco Brennand (e de boa parte dos escolheram este material para sua arte), talvez até as esculturas do Stockinger resistiriam (as inteiramente de bronze, com certeza por uns 3 mil anos)... e também artistas que trabalham em pedra, e mais umas coisas curiosas como o monte Rushmore (aquele com os 4 cabeções dos estadistas americanos...).

Apenas o que estiver registrado em um suporte resistente vai resistir ao esmeril do tempo. São uma ínfima porção das criações humanas.

Nossa literatura, desenhos e todas as criações registradas em suportes perecíveis como o papel ou a telinha do i-phone...estes com certeza não deixarão rastros.

E muitas outras coisas se perderiam.

Então a pergunta que me faço, a que me motivou a tecer estas elocubrações é:

Como saberão quem fomos, como vivemos?

29.7.09

Spread oxidado

A cor da tinta de óxido de ferro é de longe a minha favorita.

27.7.09

De volta do NDesign de Olinda



De volta do Encontro Nacional de Estudantes de Design, o NDesign, mostro aqui umas aquarelinhas despretensiosas direto do sketchbook e também umas imagens que fiz durante o evento.

Aos 19 anos de idade, o "N" dá sinais de vitalidade e maturidade crescentes. Esta foi minha segunda ida ao encontro e já sinto que vou querer ir sempre. Conversando com alguns amigos, um deles, jurássico, me contou que já esteve em 11 NDesigns.



Parabéns aos jovens organizadores!
Foi maaaassa!!!


Originalmente o camping ficava naquele gramadão lá ao fundo, mas 3 dias de chuva torrencial fizeram a moçada compreender bem de perto a dor e a delícia que é a vida dos caranguejos. O jeito foi mudar para o estacionamento ali do lado.



Um rolezinho por Olinda é encontrar a cada passo um bom tema pra se pintar uma aquarela.



Parte da moçada que lotou o auditório da AESO se achegou para trocar umas idéias depois da palestra. Me pareceu que o povo curte mesmo llustração. (Huáhahá, tem um sujeito lá no alto à esquerda da foto que está chorando de emoção...)
Juro que cheguei a ficar preocupado com o cof-cof do auditório. Teria sido apenas uma gripe causada pelo fato de muitos estudantes terem dormido molhados em suas barracas? Com um baby de 3 meses em casa, eu não podia correr o risco de trazer de lembrança de Olinda uma gripezinha suína básica.




VROOOOMMMMMM! Voo rasante do avião do Romero Brito sobre o campo de refugiados das adversidades climáticas de Olinda. Bem que o Al Gore avisou que os dilúvios, furacões e epidemias seriam mais frequentes.

Embaixo está a aquarela que fiz ali no fortim , logo em frente à pousada. Muito sossegado, fiquei ali meia horinha curtindo a paisagem que outrora encantou os holandeses de Maurício de Nassau. Hoje, infelizmente, aquele litoral não é mais próprio para o banho.





Aí na página do sketchbook embaixo tem um causo rápido. Aham...
Vou aguardar os organizadores do N me enviarem por Sedex as garrafinhas de licor de banana que eu comprei em Olinda. Na volta para o Rio, escala de um voo para Buenos Aires, o raio-X do aeroporto de Recife fez uma limpa nas coisas que eu estava trazendo. "According to international flight regulations", tive que deixar pra trás até o meu inocente creminho de barba.



Durante o evento, separei um tempo para ler o texto da folha de São Paulo que seria publicado na segunda-feira. Abri o laptop ali mesmo no ponto de encontro do evento, e, em meio ao burburinho local, que incluía a muvuca de estudantes e o som de bandas sofríveis ao fundo, rabisquei a ilustração. Da primeira à última linha o artigo foi só marretada no Sarney. A frase "O Rei está Nu", no último parágrafo, junto com o título "Outono do Patriarca" formaram o conceito central do desenho".



Por falar em pelado, esta bela escultura é conhecida no Recife como "O Picão de Brennand".
Quem nunca ouviu falar de Brennand precisa conhecer este que é um dos nossos maiores artistas vivos!
Já falei desta admiração aqui antes.
Pude conhecer o velho pessoalmente e aquela foi uma aula master com uma lenda viva .




Aqui estou fiscalizando o vai-e-vem das ondas do mar e avaliando se elas estavam chocando-se corretamente contra o dique do marco zero.



Ah, Olinda e Recife, prometo que voltarei sempre.

22.7.09

Chegou um livro bonito


Chegou mais um livro. "O Arminho Dorme" da Edições SM, e já comentado aqui antes.

Acabo de descobrir ao ler na contracapa que este foi considerado um dos 10 melhores livros infanto juvenis do mundo em 2006 e também entrou na lista White Ravens, da renomada biblioteca de Munique.

Tá explicado porque eu o achei tão bom... Mas que pena que fiz somente a ilustração de capa. O design é do Leonardo Carvalho, da SM.

14.7.09

A quem aprende e a quem ensina

Escrevi esta mensagem abaixo a um estudante que, antes de abandonar meus cursos, enviou-me um e-mail onde, dentre outras coisas, disse:
"...porque eu acho que seus conceitos mudaram um pouco e eu me identifico mais com os antigos."

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Caro

Houve um tempo em que o ensino de arte era algo escrito praticamente em tábuas de pedra, como se fossem leis perenes. Professores partiam de profundas convicções e as impunham a seus alunos, sem respeito às múltiplas diferenças de personalidade e interesses expressivos de cada indivíduo.

Um cara como Matisse, por exemplo, teve a sorte de estudar com um professor que conseguia enxergar em seus alunos o potencial latente, e assim trabalhava para magnificar o que cada um deles tinha de mais especial e único. Este era um professor que não impunha verdades absolutas, nem a sua própria forma de ver ou de se expressar.

Lá longe no passado, o sábio Sócrates foi o tipo de professor que chegava em seus colóquios com o objetivo primordial de apenas dialogar. A própria estrutura da palavra dialogar explica bem seu significado: as verdades e conclusões mais sólidas nasciam do embate das idéias do mestre com seus discípulos. Tese, antítese e síntese.

Esta forma de educar e, porque não dizer de aprender, é talvez a que mais me entusiasma e inspira hoje. Os tempos são outros, e, como sabemos bem, tudo evolui muito rápido.

Entendo que o ensino e a aprendizagem de qualquer forma de arte deve ser orgânico e não um conjunto de regras pré-estabelecidas para atender às necessidades de todos.

Vejo um surfista que desliza sobre aquela superfície irregular e inconstante e, mesmo assim, tem que tomar decisões a cada milisegundo para traçar sua trajetória ao longo de uma onda. Ouço um solista de Jazz que leva suas notas para passear sobre uma base bem marcada, e percebo também que ele muitas vezes caminha sem saber exatamente onde vai chegar. É justamente assim que a criação artística brota do seu núcleo mais profundo, a pura fonte da intuição. Da mesma forma, compreendo assim o aprendizado de arte: traçar a jornada como se esta fosse mais importante do que o ponto de chegada.

Há apenas uma semana atrás aprendi uma nova com um amigo taoísta e profundo conhecedor do I-Ching:

" Um professor não deve dispender um grande esforço para educar seu discípulo. A prerrogativa do esforço, da disciplina e do interesse, deve partir sempre do aluno."

Por compreender a profundidade de palavras tão simples, vi-me imediatamente arrebatado por este conceito. E por isso já adotei esta mudança.

Vamos falar a verdade. Na maioria das vezes o professor está ali apenas para criar contextos e oportunidades de aprendizagem, ser a ponte para que outros atravessem, mesmo que aqueles venham a conhecer lugares por onde o próprio mestre jamais pisou ou pisará. O mestre não pode caminhar o caminho por você.

A partir de uma certa idade, especialmente aquela ali por volta dos 8 anos, começamos a usar mais a borracha do que o lápis quando nos lançamos aos materiais de arte. O processo se dá de forma lenta, porém inexorável, e assim construímos muralhas ao redor daquele centro criativo que pulsa no recôndito mais profundo da nossa alma. Chega um momento em que pouca coisa sai dali sem passar antes pelo filtro do racional. O sentimento que cresce e se apodera do indivíduo se parece com um medo travestido de vaidade, fruto vão de um desejo de ganhar elogios, de ser adulado, uma necessidade boba de recompensa emocional, uma vontade de fazer "certo".

Refletindo sobre o trabalho que venho desenvolvendo nos meus cursos e oficinas, percebo que, primeiro de tudo, busco mostrar à pessoa que ela pode, deve e tem o direito de ousar fazer qualquer coisa que dê na telha. Isso porque somente o fazer prático pode ajudar-nos a perder aquele infeliz medo de fazer "feio", "errado", ou fora daqueles cânones bobos de "buniteza" que sei-lá-quem alicerçou. É preciso sim errar e muito, e aproveitemos que ainda não está escrito em lugar nenhum a temida lista de punições para quem "errar" quando atrever-se a expressar-se criativamente.

Cada aluno que me procura tem um potencial diferente e eu só procuro abanar este fogo pessoal, para torná-lo mais aparente e visível (visível para o próprio dono do fogo, importante que isso fique claro). Ocorre às vezes que a pessoa possui apenas uns "foguinhos" dispersos, umas brasinhas espalhadas, uns fogos de palha...

Jovens com grandes qualidades potenciais em estado ainda imaturo são como uma pedra bruta aguardando apenas o cinzel do mestre. Que nada, não é sempre assim que a coisa funciona. Embora a sorte de encontrar um mestre na vida (eu topei com 3 até agora) seja tão rara quanto a de encontrar o seu amor verdadeiro, o esforço maior para lapidar-se em diamante sempre deverá ser do maior interessado: o aprendiz.

Se eu pudesse voltar aos meus vinte anos, talvez só desejasse acrescentar umas pequenas coisas nos primeiros anos da minha vida de artista: o hábito de manter um diário gráfico sempre ao alcance da mão, a prática compulsiva do desenho e mais alguns quilômetros de leitura. Agora, quase um burro de meia idade, aconselho meus alunos a fazerem isso e me realizo ao ver que eles não estão incorrendo nos mesmos erros que eu cometi durante aqueles importantes anos da minha formação.

Assim, em resposta à frase que parece me acusar de uma heresia ("seus conceitos mudaram um pouco"), digo apenas que a mudança é parte da própria vida, é parte dessa coisa entrópica que a tudo gasta no universo, seja o aço ou as montanhas. O mundo das idéias, mesmo sendo não-físico, não está imune a esta força.

Algumas verdades é que permanecem as mesmas sempre. Um dia vamos morrer, e quando esta hora chegar, talvez o único consolo que nos reste seja o pensamento de que vivemos a vida que realmente desejamos viver. Nesta hora, podemos nos lamentar por não termos ousado mais, corrido mais riscos.

"Não siga a estrada, apenas; ao contrário, vá por onde não haja estrada e deixe uma trilha.", disse Ralph Waldo Emerson.

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PS: Este texto nasceu de uma profunda alegria, causada pela visão da produção das muitas pessoas criativas que passaram pelos meus cursos em diversas cidades do Brasil(clique no título para conferir).

13.7.09

Carta antiga publicada no jornal



Voltei a assinar jornais. Mas às vezes não dá tempo de ler e ele fica ali humilde, apenas esperando para ser usado para forrar o chão e mesas do ateliê.

Sonhei ontem que um amigo de infância havia escrito uma carta a um grande jornal e ela havia sido publicada na edição de Domingo (aquela que todos lêem, inclusive eu)

Folheei a revista dominical, encartada entre as muitas folhas de classificados, e na seção de cartas reconheci a pessoa pela forma como encadeou as palavras, algumas eram ainda as mesmas do nosso tempo. Havia mesmo algo ali naquele breve silêncio entre elas, o que me causou um clique. Mas, intrigado, vi que o nome que assinava era outro.

Coisa boa é o sonho. Aqui em meus pensamentos dou um longo abraço em todas aquelas amizades do passado que nunca mais vi.