Já me peguei conversando repetidamente sobre este cenário meio estéril de idéias coletivas na arte, especialmente aquelas criadas para a reprodução em massa. São as artes mais democráticas, já dizia a artista alemã Kathe Kollwitz.
Alguns papos-cabeça com amigos artistas deixam sempre subentendidos uns temas sem cabresto ou rabiola. A conversa flui entusiasmada mas não resulta em ações concretas.
Deixa então eu derramar aqui meu vaso de frases-mal-feitas, colhidas ao longo destas mesas de debate.
Tanta gente criativa por aí que ainda trabalha e pensa como se vivesse em uma ilha isolada. A elas bastam a internet e as revistas descoladas.
E a moçada de talento que só se permite ser artista quando está inscrita em um workshop? Agrupar-se coletivamente é sinônimo de tomar um chope ao final da aula (embora nem isso a maioria faça).
Existem os criativos que não saem do estúdio pra ver gente, conversar, trocar, fazer junto ou simplesmente ouvir. E tantos outros que só são artistas gráficos quando precisam resolver o problema de um cliente, e assim ganhar dinheiro pro pão e a gasolina.
Me ressinto de não ver na rapaziada hoje aquele desejo de se reunir e inventar oportunidades criativas para si próprios, canais para manifestação de suas idéias, as boas e válidas. A União faz mais do que açucar.
Lamentável o sujeito de olhar aguçado somente para o que não lhe agrada; é uma peneira crítica que deixa passar todo o resto. Ignoram elementos de identificação com o outro; não vêem em seus pares verdadeiras janelas de oportunidade onde podem enriquecer-se no contato com as diferenças.
Tem gente que ignora que um instrutor de workshop muitas vezes age apenas como obstetra mental, ajudando os alunos a darem luz às suas próprias idéias. Ele não precisa ser um dicionário de técnicas ou um tratado de filosofia da arte. Basta criar oportunidades. Traduzindo: "não é tarefa do personal trainer puxar ferro por você"
Por que os chamados trabalhos ditos pessoais precisam ser necessariamente autobiográficos, de auto-celebração, ou simplesmente parte deste avassalador movimento contemporâneo, o "Eu-ismo" ou o "Neo-newism" ?
O artista-interventor que vira a madrugada pelas ruas da cidade pintando alvos - ou cubos, ou colando stickers de bichinhos fofos - nos muros e postes , por dezenas de quilômetros, faz isso por que, pra que e para quem?
Tem também aquele sujeito que é tão inteligente que fala um idioma que ele próprio inventou e apenas ele compreende. Molto fueda!
- "Fale comigo numa língua que eu entenda moço! Senão eu vou entender algo diferente do que você quis dizer! ", disse o público para o mímico.
- "Foda-se você, quem mandou não estudar a obra de Stanislawski, Antonin Artaud e Marcel Marceau!", respondeu o mímico.
Sinto falta de indignação gráfica, manifestações - visuais ou não - que gerem comunicação, que belisquem consciências, que estimulem um pensar OBJETIVO e não um divagar viajandão-cabeça. Ai, isso aí faz minha cabeça de burro doer!
Queria ver nas ruas uns cartazes enormes em silk ou xilo; umas paródias de propaganda política competindo na parede com os atores reais; um Obey Giant tupiniquim, uns murais que não tivessem somente umas palavras enroscadas ao redor de bichinhos; um ativismo gráfico-político; uma revista tipo a Ad Busters; um hip-hopper que não repita a expressão "tá ligado" a cada 5 palavras ...Ah, isto sim já seria uma revolução!
O problema é que hoje parece que vivemos a primazia do "decorativo", o desejo de buniteza, de poeticidade rasa e descartável. E quando vamos ao extremo oposto, a indignação é expressa com feiúra, com argumentação tosca, sem sutilezas, ironias ou inteligência. Deve ser a pressa, os prazos, a grana curta que impede os criadores de se aprofundarem em suas questões, restando apenas arranhar a casquinha de tinta da superfície.
No fundo estas idéias descosturadas são apenas meu desejo de que nossa geração construísse um degrau significativo na história das artes gráficas do país; algo não-copiado de fórmulas de outros lugares com realidades diferentes da nossa; uma arte urbana com mensagem e alto poder de cutucação e espezinhamento público.
A falta de pré-requisitos e referências acadêmico-culturais tem servido de combustível para originalidade. Talvez por isso tanta coisa interessante tem sido produzida nos guetos. Parece que eles estão indicando uma direção.