25.2.08

Créu!

Cresci numa casa onde meu pai e meus irmãos (Lílian e Flávio) eram Fluminense e minha mãe Flamengo. Na família, meu tio mais bacana era Vasco, e todos os primos com quem brincava, Flamengo.



Na verdade, ter um time não era assunto da maior importância para mim. Se meu pai me levasse para ver um jogo na torcida do Fluminense, eu achava sensacional estar ali no Maraca no meio daquela nuvem branca de farinha que envolvia a arquibancada no momento em que o time entrava em campo ou fazia um gol. No dia seguinte, lembro-me bem, meus olhos eram verdadeiras fábricas de remelas, tão grandes que poderiam ser usadas como massa de pão.
Aquelas experiências me faziam Fluminense por uns tempos...

Se um tio me levasse à São Januário ver um jogo, eu voltava falando do Vasco, do Roberto Dinamite, claro. Virava Vasco por no máximo dois dias!



Haviam os primos e tios mais legais, todos Flamengo, e que não me davam sossego no caso de eu não pertencer ao time deles.

Eu tinha um tio brabo que assistia aos jogos na TV sem volume, mas com um radinho de pilha ligado em cima dela. Meu tio dizia que não aguentava ouvir o Galvão Bueno. Ele preferia aqueles caras do rádio. Eu achava que no rádio os locutores de futebol falavam tudo enrolado, de um fôlego só, e para mim aquilo parecia mais o som que a garrafa dágua fazia quando era enchida no filtro da cozinha.

Como era supersticioso aquele tio flamenguista...Do tipo que chamamos de "torcedor doente". Em dia de jogo do Flamengo na TV ele nos obrigava, a mim e ao meu primo, a assistir tudo em silêncio ao lado dele, vestidos com seus meiões de futebol que encobriam nossas pernas até a virilha. Era um calor danado e aquelas meias puídas pinicavam à beça! Ai de nós se as abaixássemos, daria azar!

E quando o Flamengo fazia gol? Era uma coisa de louco, o meu tio pegava o 38 dele e dava vários tiros para o alto. Eu achava legal o barulhão e aquele fogo que saía na ponta do cano, então torcia para o Flamengo fazer mais e mais gols.

Optei finalmente por ser Flamengo (embora hoje não saiba dizer o nome de qualquer jogador que tenha vindo depois da era Zico, Junior, Adílio, Leandro, Claudio Adão...). Hoje desconheço até quem seja o técnico deste time que ganhou uma Taça Seiláqual ontem. Posso dizer que em assuntos de futebol não ligo para nada, mal torço pelo Brasil na copa.

No domingo à noite estava dentro do Túnel Rebouças quando me vi cercado de carros que retornavam do Maracanã em direção à Zona Sul. Motoristas-torcedores comemoravam com buzinhas, trombetas, camisetas e bandeiras. Costuravam sua alegria entre os carros aos gritos de "é campeão!" e também algo que soava parecido com "crééuuuu...". Mas foi tudo tranquilo, até divertido. Daria um desenho bacana aquela cena.

Apesar deste meu desinteresse quase completo pelo universo futebolístico, notei na minha ida à banca hoje que existe algo entre essa palavra "créu" e a vitória do Flamengo naquela final. Parece que é uma dancinha de comemoração de gol, inspirada num funkizinho tipicamente carioca ao qual está associada uma certa coreografiazinha de duplo sentido.

O Brasil é fértil nessas manifestações... êita povo criativo pra coisa que não presta!

De volta para casa, jornal no suvaco e pão no saco plástico, passei em frente à um prédio já em fins de construção quando de repente ouvi o motorista de um caminhão estacionado dizer alto entre um largo bocejo:

"Créééu!!"

Em seguida, lá de dentro do segundo andar veio outro "Créééu!", depois um terceiro e um quarto "Créééu!".
Daqui a pouco do prédio sem janelas começou a ecoar uma sinfonia de créus de todos os tipos, os trabalhadores da obra como um rebanho de cabritos, cada qual colocando sua entonação e peculiaridade vocal ao cacófono conjunto.

Mais passos adiante, distraído com uma ou outra manchete, ouvi o vento trazer de longe o que parecia ser o grito-bocejo matutino de alguém, talvez colocando para fora a raspa do tacho da ressaca do dia anterior:

-CRÉÉÉÉUUUU...

Sorri.

Créu é a palavra destes tempos. Tá todo mundo créu, a dancinha do créu é o nosso ritmo por excelência, é o gesto "sífu" catarticamente manifesto. É a síntese!

(Para ilustrar este assunto de futebol, coloco uns desenhos do livro infanto-juvenil Figurinha Carimbada, que está para sair pela Editora Girafinha (Produção PB esmerada, em formato parecido com aquele livrinho de poemas do Tim Burton). Vai virar peça de teatro infantil com atores contracenando com bonecos e etc e tal. Obra do hipercriativo Márcio Araújo

4 comentários:

Srta. Schubach disse...

esse texto tá um primor!
Renato vc escreve muito bem! Devia além de ilustrar, escrever colunas de jornal.

Parabéns!

Felipe Duarte disse...

a dança do créu já chegou no paraná

até onde ví, ela tem um sentido só. :P

rigodiaz disse...

me gusta mucho

Felipe V. Gomes disse...

Não sei se já é tarde demais postar aqui, mas achei esse link pertinente: http://www.lancenet.com.br/activo/PEQUENOTORC/mensagens.stm