13.8.09

Quem vive do passado é museu?

Dica de um amigo. Recomendo este texto do Michael Kepp, que saiu na Folha de SP, o Caderno
Equilíbrio, do dia 6 de agosto. Vejam aí.


Quem vive do passado é museu?

" Duvido que muitos brasileiros se identifiquem com o colunista
americano Herb Caen que confessou: "Costumo viver no passado porque minha
vida está quase toda lá." Neste país do futuro, consumidores valorizam o que
é novo ou está na moda e "progresso" é o lembrete inscrito na bandeira.
Aqui, dizem: "Quem vive do passado é museu."

Os brasileiros vão a museus ver arte contemporânea, e não artefatos
culturais. Ao contrário dos europeus, têm pouca ligação com a própria
história. Aqui, cidades coloniais têm sofrido décadas de descaso. Igrejas
de Ouro Preto e Mariana com paredes rachadas e infestadas de cupins correm
o risco de desabar. E o centro histórico de São Luís, no Maranhão, é todo
degradado.

Em comparação, os italianos glorificam seu passado preservando grande
parte da Roma antiga e usando vilarejos toscanos como repositórios de arte
e arquitetura medieval e renascentista. Os alemães confrontam a vergonha de
seu terrível passado do século XX construindo museus do Holocausto e
memoriais em campos de concentração e fazendo filmes sobre atrocidades
nazistas

Os brasileiros, no entanto, vivem no presente hi-tech. O Brasil se
gaba do quinto maior número de usuários da internet no mundo e 50% de todos
no Orkut. O Rio é a capital mundial da cirurgia plástica, que remove traços
do passado do rosto. Brasília, que JK disse ser projetada como “uma ruptura
total com o passado” ainda parece futurista 49 anos depois. E carrões
superequipados são tão comuns que é difícil acreditar que João Goulart fugiu
do país de Fusca.

Por não olharem para trás, os brasileiros não entendem a fascinação
americana com o ritual da reunião de turma. A cada década, centenas de
colegas da mesma escola voltam à cidade-natal para compartilhar lembranças
da adolescência, uma parte crucial de seu passado. Não perdi uma em 40 anos.

O aviso do filósofo americano George Santayana – “Aqueles que não se
lembram do passado estão condenados a repeti-lo.” – é ignorado aqui. Que
outro povo tem memória tão curta que elege para o Senado um presidente que
se retirou para evitar impeachment e mantém coronéis no poder depois de
abusarem do mesmo? Corrupção e impunidade são tradições tão antigas e
enraizadas que expõem uma das maiores contradições do Brasil, que é também o
país do passado.

Esta também é uma cultura centrada nos jovens. Ao contrário das
culturas chinesa e indígena, não venera os mais velhos pela sabedoria e por
serem repositórios do passado. Aqui, os idosos se sentem inúteis. Então,
raramente aparecem em público, como em Pequim, onde praticam artes marciais
nos parques, ou em Amsterdã, onde passeiam de bicicleta. Aqui, assistem à
parada passar de suas janelas.

O idoso vive mais no passado do que outros porque muito mais de sua
vida está lá. Ainda assim, o passado se acumula atrás da gente a cada
respiração. Mas só tem valor se você aprende com ele. Ou, como disse
Kierkegaard: "A vida só pode ser vivida olhando-se para a frente, mas só
pode ser compreendida olhando-se para trás.”

Folha de S. Paulo, 6 de agosto de 2009

8 comentários:

Cintia de Sá disse...

“Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo.”

Isso me lembra o filme "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças"...

Coincidentemente, também escrevi sobre o passado essa semana, sobre como o designer toma posse do passado e cria. Veja no endereço abaixo:

http://revistaeatualizada.blogspot.com/2009/08/coolhunter-do-passado.html

elcerdo disse...

REnato, depois de uma olhada no site do cara, tem umas cronicas bem legais

Victor Marcello disse...

Sábias palavras.

Certa vez escutei de uma senhora que, quando jovem, havia sido um bela e bem-sucedida estilista:

"Mais importante do que saber quem você é, é saber reconhecer quem você foi"

Um abraço,
Victor

Victor Marcello disse...

Este post também me lembrou um artigo do Tony Judt publicado na Piauí, chamado: "O que aprendemos, se é que aprendemos alguma coisa?"

Segue o link, caso queira dar uma lida:
http://tiny.cc/FPj7i

...

Anônimo disse...

muito bom o texto, faz vc pensar

Montalvo Machado disse...

outro dia estava ouvindo música no carro, quando Ziggy Marley me fez lembrar deste post, cantando:

"Tomorrow people, where is your past?

Tomorrow people, how long will you last?

If you don't know your past, you don't know your future"

Schovscovski disse...

Ultimamente, através da internet, tenho conhecido várias pessoas que foram jovens quando eu ainda estava para nascer. É triste e estranho concordar com o texto, afinal, sou jovem hoje e não aprecio os hábitos dos meus contemporâneos. Um exemplo disso é o mal gosto pela música, resumida em batidas iguais e melodias de uma só altura, chamada de funk.
Infelizmente, não posso dizer que sou um jovem observador do passado, mas ultimamente tenho enxergado-o com mais curiosidade.
"A vida só pode ser vivida olhando-se para a frente, mas só
pode ser compreendida olhando-se para trás.”
Já me perguntei várias vezes quais seriam meus arrependimentos futuros. Mas, ao invés de tentar prever, é melhor aprender com quem já viveu. É só perguntar ;)

Tita disse...

Obrigada por postar este texto!
Muito bom mesmo...

Sempre pensei que nao se deve olhar pra traz, mas no sentido de nao chorar o leite derramado.
Mas concordo plenamente que “Aqueles que não se
lembram do passado estão condenados a repeti-lo.”

Chega a ser mais um descaso do que uma falta de memoria. Ou ignorancia mesmo...

Otimo post Alarca!!!
Beijao from Canada pra vc :)