3.11.06

Agora falando sério...

Já me peguei conversando repetidamente sobre este cenário meio estéril de idéias coletivas na arte, especialmente aquelas criadas para a reprodução em massa. São as artes mais democráticas, já dizia a artista alemã Kathe Kollwitz.
Alguns papos-cabeça com amigos artistas deixam sempre subentendidos uns temas sem cabresto ou rabiola. A conversa flui entusiasmada mas não resulta em ações concretas.
Deixa então eu derramar aqui meu vaso de frases-mal-feitas, colhidas ao longo destas mesas de debate.
Tanta gente criativa por aí que ainda trabalha e pensa como se vivesse em uma ilha isolada. A elas bastam a internet e as revistas descoladas.
E a moçada de talento que só se permite ser artista quando está inscrita em um workshop? Agrupar-se coletivamente é sinônimo de tomar um chope ao final da aula (embora nem isso a maioria faça).
Existem os criativos que não saem do estúdio pra ver gente, conversar, trocar, fazer junto ou simplesmente ouvir. E tantos outros que só são artistas gráficos quando precisam resolver o problema de um cliente, e assim ganhar dinheiro pro pão e a gasolina.
Me ressinto de não ver na rapaziada hoje aquele desejo de se reunir e inventar oportunidades criativas para si próprios, canais para manifestação de suas idéias, as boas e válidas. A União faz mais do que açucar.
Lamentável o sujeito de olhar aguçado somente para o que não lhe agrada; é uma peneira crítica que deixa passar todo o resto. Ignoram elementos de identificação com o outro; não vêem em seus pares verdadeiras janelas de oportunidade onde podem enriquecer-se no contato com as diferenças.
Tem gente que ignora que um instrutor de workshop muitas vezes age apenas como obstetra mental, ajudando os alunos a darem luz às suas próprias idéias. Ele não precisa ser um dicionário de técnicas ou um tratado de filosofia da arte. Basta criar oportunidades. Traduzindo: "não é tarefa do personal trainer puxar ferro por você"
Por que os chamados trabalhos ditos pessoais precisam ser necessariamente autobiográficos, de auto-celebração, ou simplesmente parte deste avassalador movimento contemporâneo, o "Eu-ismo" ou o "Neo-newism" ?
O artista-interventor que vira a madrugada pelas ruas da cidade pintando alvos - ou cubos, ou colando stickers de bichinhos fofos - nos muros e postes , por dezenas de quilômetros, faz isso por que, pra que e para quem?
Tem também aquele sujeito que é tão inteligente que fala um idioma que ele próprio inventou e apenas ele compreende. Molto fueda!
- "Fale comigo numa língua que eu entenda moço! Senão eu vou entender algo diferente do que você quis dizer! ", disse o público para o mímico.
- "Foda-se você, quem mandou não estudar a obra de Stanislawski, Antonin Artaud e Marcel Marceau!", respondeu o mímico.

Sinto falta de indignação gráfica, manifestações - visuais ou não - que gerem comunicação, que belisquem consciências, que estimulem um pensar OBJETIVO e não um divagar viajandão-cabeça. Ai, isso aí faz minha cabeça de burro doer!
Queria ver nas ruas uns cartazes enormes em silk ou xilo; umas paródias de propaganda política competindo na parede com os atores reais; um Obey Giant tupiniquim, uns murais que não tivessem somente umas palavras enroscadas ao redor de bichinhos; um ativismo gráfico-político; uma revista tipo a Ad Busters; um hip-hopper que não repita a expressão "tá ligado" a cada 5 palavras ...Ah, isto sim já seria uma revolução!
O problema é que hoje parece que vivemos a primazia do "decorativo", o desejo de buniteza, de poeticidade rasa e descartável. E quando vamos ao extremo oposto, a indignação é expressa com feiúra, com argumentação tosca, sem sutilezas, ironias ou inteligência. Deve ser a pressa, os prazos, a grana curta que impede os criadores de se aprofundarem em suas questões, restando apenas arranhar a casquinha de tinta da superfície.
No fundo estas idéias descosturadas são apenas meu desejo de que nossa geração construísse um degrau significativo na história das artes gráficas do país; algo não-copiado de fórmulas de outros lugares com realidades diferentes da nossa; uma arte urbana com mensagem e alto poder de cutucação e espezinhamento público.
A falta de pré-requisitos e referências acadêmico-culturais tem servido de combustível para originalidade. Talvez por isso tanta coisa interessante tem sido produzida nos guetos. Parece que eles estão indicando uma direção.

2 comentários:

Henrique disse...

É, Alarca, o kitsch domina cada vez mais. Coisas da atualidade...

Palpite meu (sem base, to escrevendo só no feeling): a exacerbação do individualismo nas últimas décadas representou um aumento foda na diversidade de manifestações artísticas, estilos, etc, o que é muito foda; nunca a arte foi tão pouco acadêmica, tão informal - ou seja, tão espontânea. Mas por outro lado, isso também criou essa desconexão, essa falta de senso de comunidade. É cada um por si, criando seu próprio caminho sozinho, sem olhar em volta, cuidando de si sem perceber o próprio contexto - o que pode ser bem contraproducente.

E isso não acontece só na arte e no design, a gente percebe isso em tudo, inclusive na política: as pessoas acham que são só um voto contra o mundo, e se esquecem de que, somadas, são elas que decidem os rumos. E o engajamento diminui constantemente.

Nesse cenário, acho que fica fácil explicar porque tendências artisticas são ditadas por demanda de mercado. Ou porque políticos criam plataformas de acordo com pesquisas de opinião, em vez de tentarem construir um projeto consistente de governo. Coisas da democracia... Aumenta a voz do indivíduo e diminui a do conjunto.

Mas acho que esse novo paradigma também se mostra na nossa atitude de ficar indignado com o rumo das coisas, mas não se mexer pra tentar mudar isso. Por que nós mesmo não tentamos dar início à mudança? :P

Rsrsrs e devo reconhecer que vesti carapuça na questão de quase só produzir em workshops!

Anônimo disse...

A arte como ser é mutante e acho que estamos num vazio de criaçào.Embora quando ando pela serra de Friburgo e deparo com o jardim de musgo do Nego fico perplexo e chego a conclusão que os grandes artistas estão por ai escondidos em um processo de criacão sem bulas para explicar o inexplicavel.
Vi uma famosa geração nascer nos jardins do MAM meu primeiro olhar detestou e continua detestando até hoje uma Arte que está mais preocupada em impactar o olhar seja com mau ou bom gosto.Eu penso que a importância na Arte está em traduzir para uma linguagem simples o que mais difícil tem de ser explicar: A NATUREZA HUMANA E SEU SUBTERRÂNEO.