16.5.07
A morte da ilustração
Outro dia li uma entrevista de um ilustrador brasileiro em uma revista de design onde ele disse que a "ilustração morreu".
Não me recordo a última vez em que li uma besteira de tamanha magnitude na escala CRAP (para saber o que é CRAP, clique no título).
Por consideração e para evitar pré-julgamentos, decidi escrever um e-mail para ele e perguntar o que era aquilo. O colega até tentou se explicar, mas sua justificativa só fez jus ao velho ditado do brilhante advogado Evandro Lins e Silva, aquele do processo de impeachment contra o Collor:
"Uma defesa mal embasada é errática como o vôo do morcego"
Aquela foi mesmo uma resposta zig-zagueante e confusa, que me fez lembrar também de uma outra frase, se não me engano de Oscar Wilde, que dizia:
"...e desculpe-me por esta carta tão longa, é que não encontrei tempo de escrever uma menor..."
Existe um equívoco, a meu ver, em declarar a morte de uma atividade que está justamente em franca retomada, após um período nebuloso acontecido ali por volta do ano 2000. Mas pior ainda, lamentável e imperdoável, é escrever o obituário da ilustração em uma revista dirigida a designers gráficos, justamente os profissionais que contratam a nós, os ilustradores.
O fato de muitos artistas - eu incluído - estarem ocupadísimos com a demanda por ilustrações é um sintoma de que a atividade continua uma sugadora voraz das nossas horas de vigília. E se alguém morreu nessa história, deve ter sido o Norman Rockwell, o Arthur Rackham, o Al Hirschfeld, e outros ilustradores que alguns por aí devem julgar como exemplares vetustos de uma raça em extinção.
Artistas de sorte foram aqueles. Morreram com seus lápis na mão ( e se Deus quiser, um dia eu também subirei assim ).
Na defesa da tese de que a "ilustração morreu", usou-se o argumento de " a ilustração acabou da forma como era há 15, 20 anos atrás, estando hoje integrada à uma visão global de projeto". E diante da saraivada de críticas, o autor da frase disse que não foi bem interpretado.
Então tá.
Os automóveis acabaram. Não são os mesmos de 15, 20 anos atrás. Precisamos inventar um outro nome para essas coisas que nos levam pra lá e pra cá apoiados sobre pneus.
O mesmo vale para a música. Hoje ela pode ser feita sem instrumentos, uma verdadeira colagem de frases musicais pinçadas de diversas fontes. Dá pra carregar centenas delas no chaveiro. Paramos até de comprar CDs. Mas, que incrível, essa coisa imaterial, com ritmo, harmonia e melodia e que alegra nossa alma e os ouvidos, ainda se chama música!
Conheci um artista (?) que me disse que a pintura havia morrido, que não havia mais nada a se dizer com tintas e pincéis. Ele, que só sabia o segredo da mistura de terebentina com óleo de linhaça, já não sabia mais O QUE pintar, e por isso bradava:
"...todo mundo já fez figuras humanas, retratos, paisagens, o grotesco, o sublime, abstrações, geometrias, esgotamos as possibilidades do suporte...Acabou-se, a pintura morreu!"
Morreu para ele!
(a ilustração deste post é para um livro ainda não-publicado. Representa o Kadish, uma oração judaica associada aos rituais de luto)
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2 comentários:
é muito engraçado, sempre tem algum maluco dizendo que alguma coisa morreu: a pintura morreu, a política morreu, o livro morreu... que pessoal macabro!!
isso me lembra o livro de Saramago que estou lendo "Intrmutências da Morte", cuja protagonista é ela mesma, a caveira ossuda enrolada num lençol.... olha que ela é temperamental, hein?
hehe... VIVA a ilustração!
Espero viver o suficiente para chegar a ver alguém mandar um "a previsão escatológica morreu"
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